Tomado pelo mantra de ser o dono da caneta e mandar não só nos Estados Unidos mas no “mundo” —como disse à revista The Atlantic—, Donald Trump tem usado e abusado da assinatura de decretos executivos.
Desorganizada e sem maioria para segurar o tranco, a oposição conta com um aliado de fora da política para dar limites aos excessos: a Justiça. Toda semana noticia-se uma ordem judicial brecando ou liberando uma decisão de Trump. Em várias searas.
O alcance de parte dessas ordens começou a ser debatido no final da semana passada pela Suprema Corte, num julgamento que tende a ser um divisor de águas para o restante do mandato republicano.
O governo pediu aos nove ministros para rever diversas decisões judiciais que suspenderam o decreto do republicano que acaba com o direito à cidadania por nascimento de filhos de imigrantes, considerado inconstitucional por todos eles.
Mas o debate por trás desse recurso é mais amplo e tem o objetivo de determinar se os tribunais de instâncias inferiores podem emitir medidas liminares com alcance nacional.
Isto é, se a decisão precisa se ater às partes específicas do processo ou se um juiz pode pausar uma ordem assinada pelo presidente, como já ocorreu pelo menos 17 vezes neste mandato, segundo pesquisa do Congressional Research Service.
Foi por meio dessas ordens judiciais que juízes suspenderam os efeitos desse decreto —considerado flagramente ilegal por muitos constitucionalistas—, que altera as regras de obtenção de cidadania por nascidos no país. Também pausaram a decisão da Casa Branca de acabar com o status de proteção temporária a 350 mil venezuelanos, algo liberado pelo Supremo nesta semana.
A Suprema Corte, que tem seis juízes conservadores, indicou que pode declarar inconstitucional o decreto sobre o direito à cidadania, mas mostrou-se dividida no tema do alcance de decisões de cortes inferiores —e há chance de atender ao pedido de Trump.
Há argumentos favoráveis a limitar a abrangência das decisões judiciais mesmo entre quem discorda do governo. Mas quem defende essa prerrogativa para juízes de instâncias inferiores usa a justificativa de que, além de legais, medidas para barrar o efeito dos decretos do presidente são, hoje, politicamente necessárias.
Até então, a mais alta corte do país tinha evitado resolver essa questão, mesmo tendo sido ela debatida nos últimos governos e criticada tanto por democratas como por republicanos —a depender de quem era afetado pelas medidas judiciais. Agora os magistrados indicaram que estão dispostos a dirimir a polêmica —cujo desfecho é esperado para daqui a cerca de dois meses.
Dali vão sair alguns desdobramentos: 1) Caso Trump perca, ele seguirá a decisão judicial ou dobrará a aposta no desafio à Justiça?; 2) Caso a Suprema Corte limite a atuação de juízes, a pergunta que fica é como irá funcionar o sistema de freios e contrapesos diante da disrupção promovida pelo presidente dos EUA?