O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usou nesta terça-feira (4) o maior palco desde sua posse em 20 de janeiro para defender os principais aspectos da agenda radical que tem implementado, contestada dentro e fora do país.
Trump falou no plenário do Congresso americano, diante de uma plateia de parlamentares dos partidos Republicano e Democrata e em um discurso televisionado em horário nobre dos EUA. Na fala, o presidente defendeu a imposição de tarifas, citando o Brasil, exaltou seus cortes de gastos —que incluem demissões em massa—, falou amplamente sobre sua política de imigração e criticou a do antecessor.
Em fala que se assemelhou aos seus discursos de campanha, substituindo apenas o tempo verbal, Trump iniciou dizendo que “a América está de volta”. “Em 43 dias, tivemos mais realizações do que a maioria dos presidentes acumula em quatro ou oito anos, e estamos só começando”, disse.
“Nosso espírito está de volta. Nosso orgulho está de volta. Nossa confiança está de volta. E o sonho americano está crescendo, maior e melhor do que antes. O sonho americano não tem limites”, disse Trump. Ele fez referência ao seu discurso de posse quando disse que os EUA estão numa nova era de ouro, voltando a pintar um país fraco sob Biden —o antecessor, aliás, voltou a ser alvo de ataques no discurso desta terça.
Mesmo com maioria republicana na Câmara e no Senado, a fala não passou incólume e foi alvo de protestos de deputados e senadores democratas —o deputado Al Green, do Texas, interrompeu a fala de Trump logo nos primeiros cinco minutos do discurso, gritando “você não tem mandato” ao presidente. Green foi ordenado a se retirar pelo presidente da Câmara, Mike Johnson —é a primeira vez que isso acontece em um discurso como esse.
“Mais uma vez, olho para os democratas na minha frente e vejo que não há nada que eu possa fazer que vá fazer com que eles sorriam ou aplaudam”, disse Trump logo depois. “É a quinta vez que estou aqui, e é sempre a mesma coisa. Posso curar a pior doença que existe, e essas pessoas aqui não vão bater palmas, não vão se levantar e me apoiar. É muito triste, e não deveria ser assim.”
Em outro ataque aos democratas, Trump disse que a oposição criou um país com “fronteiras abertas”. “Por causa das políticas loucas de Joe Biden, os imigrantes criminosos estão fortemente estabelecidos no nosso país, mas estamos expulsando-os, e rápido”, afirmou, citando novamente o caso de Laken Riley, estudante americana morta por um venezuelano que estava em situação irregular nos EUA.
“Joe Biden não apenas abriu nossas fronteiras, mas enviou migrantes para o interior dos EUA. Lindas cidades americanas foram destruídas pela ocupação imigrante, mas agora, como prometi no meu discurso de posse, estamos conquistando a grande libertação da América.”
“Desde que tomei posse, meu governo lançou a repressão mais ampla na nossa fronteira, e rapidamente atingimos os números mais baixos de cruzamentos ilegais na história”, afirmou, defendendo sua medida que criou o chamado gold card, que vende permissões de residência nos EUA a pessoas dispostas a pagar milhões de dólares por isso.
Em determinado momento, Trump exaltou suas medidas contra a comunidade trans, dizendo que não permitirá mais que “homens compitam em esportes femininos” e que estabeleceu que só há dois gêneros: feminino e masculino.
Também agradeceu o bilionário Elon Musk e sua iniciativa de cortes de gastos radicais do governo federal, Doge, citando uma série de medidas de veracidade não comprovada, como supostas iniciativas de milhões de dólares que, por exemplo, “criavam ratos trans”, “empoderavam indígenas colombianos” e pagavam por circuncisões em países africanos.
“A época dos burocratas não eleitos acabou”, disse Trump. “Qualquer burocrata que resistir a essas mudanças será removido do seu posto.” Ao mesmo tempo, entretanto, prometeu combater problemas como o aumento de doenças infantis por poluição e investir nas Forças Armadas, setores alvos do Doge.
O presidente citou o Brasil junto da União Europeia, China, Índia, Canadá e México quando defendeu suas tarifas. “Onde quer que imponham tarifas contra nós, nós vamos impor tarifas contra eles. Onde quer que eles nos taxem, vamos taxá-los. Todos os países se aproveitaram de nós por muitos anos, mas isso não vai mais acontecer. Haverá alguma dificuldade, mas tudo bem, não vai ser muita”, disse.
“Por causa de novas políticas tarifárias, o México nos entregou 29 dos principais líderes de cartéis de seu país para nós”, disse Trump. “Mas o México e o Canadá precisam fazer muito mais, eles precisam impedir que o fentanil entre pelas fronteiras. Os cartéis declararam guerra aos EUA, e os EUA precisam declarar guerra aos cartéis.”
Ao falar de política externa, Trump repetiu que quer que os EUA retomem controle do canal do Panamá e sobre a Groenlândia, território da Dinamarca, disse: “de um jeito ou de outro, vamos pegá-la”. Logo em seguida, falou sobre a Guerra da Ucrânia.
“Estou trabalhando sem medir esforços para acabar com o conflito terrível na Ucrânia. Milhões de ucranianos e russos foram mortos sem necessidade nesse conflito terrível e brutal que não parece ter fim próximo”, afirmou.
Trump disse ter recebido uma carta do presidente Volodimir Zelenski, com conteúdo parecido à mensagem que o ucraniano publicou nas redes sociais nesta terça. Nela, Zelenski lamentou a discussão com Trump na Casa Branca e disse estar pronto para trabalhar sob a “forte liderança” do americano.
“Nenhum de nós quer uma guerra interminável. A Ucrânia está pronta para ir à mesa de negociações o mais rápido possível para aproximar a paz duradoura. Ninguém deseja a paz mais do que os ucranianos”, afirmou Zelenski na publicação.
O gesto de Zelenski ocorreu em reação à decisão de Trump de bloquear a ajuda militar à Ucrânia na segunda-feira (3), o que deve afetar a compra de mais de US$ 1 bilhão em armas e munições que já estão em processo de aquisição ou encomendadas.
O presidente americano disse que a Ucrânia está pronta para assinar um acordo para a exploração de minerais estratégicos do país europeu, cuja ideia era ter acontecido na sexta-feira (28), antes da reunião entre os líderes descambar para um dos momentos diplomáticos mais constrangedores da história.
Entretanto, ao contrário do que havia sugerido parte da imprensa americana, Trump não anunciou a assinatura do acordo durante o discurso, e disse que teve conversas com a Rússia que “sinalizaram que eles estão prontos para paz”.
O acordo de minerais é a principal esperança de Zelenski e da diplomacia ucraniana de reverter o corte ao auxílio militar, manter o apoio americano ao esforço de guerra do país contra a Rússia e conseguir suporte diplomático dos EUA para negociar uma paz em termos que não sejam desastrosos para Kiev.
Ao longo do discurso, os democratas ergueram placas que diziam “falso”, “Musk rouba”, e “salve o Medicaid”, o programa de seguro saúde do governo que é alvo dos republicanos há anos. As parlamentares democratas vestiram-se com roupas rosas ou roxas chamativas como forma de protesto a Trump, e muitos membros do partido permaneceram sentados quando o presidente chegou.
O vice-presidente J.D. Vance, que acumula a presidência do Senado, entrou antes do chefe. Ao ser anunciado no microfone, recebeu aplausos de republicanos. A maior parte dos democratas, porém, não se manifestou.
O bilionário Elon Musk chegou ao plenário por volta de 21h, bem antes da entrada de Trump e dos membros oficiais do gabinete presidencial —o dono do X não está à frente de nenhuma pasta, apesar de comandar o Doge.
Ele foi aplaudido por algumas poucas pessoas e não foi autorizado a ficar no piso inferior junto com os parlamentares e onde Trump falou. Ele ficou sentado perto de familiares do presidente, entre eles Donald Trump Jr.
Foi o primeiro discurso ao Congresso do segundo mandato de Donald Trump. Esta mensagem aos parlamentares é tradicionalmente feita pelos presidentes da República anualmente, sob o nome de discurso de Estado da União, mas desta vez não recebeu oficialmente essa alcunha —é tradição que presidentes recém-empossados só se refiram ao discurso anual dessa forma a partir do segundo ano do mandato.
Desde que assumiu a Casa Branca, Trump tomou uma série de medidas que visam ampliar o próprio poder, desmantelar instituições e bagunçar a relação com antigos aliados. Suas ações têm sido contestadas em tribunais americanos, que impediram algumas de ir adiante, mas muitas outras tem tido efeito profundo nos EUA e no mundo.
Ao concluir o discurso, Trump repetiu a mensagem ufanista do começo da fala: “a era de ouro da América apenas começou, será como nada antes visto. Obrigado, e que Deus abençoe a América”.