China, terra do meio
O chanceler chinês Wang Yi chegou ao Rio de Janeiro ontem para a reunião de ministros de Relações Exteriores do Brics, em um encontro desenhado para defender o multilateralismo —e que acontece sob a sombra do crescente isolacionismo norte-americano.
O evento, parte da agenda da Cúpula do bloco que o Brasil sedia em julho, começou na segunda-feira (28). No discurso de abertura, o chanceler brasileiro Mauro Vieira afirmou que os Brics devem ser uma “força do bem” em um mundo cada vez mais fragmentado.
-
- Ele destacou o papel ampliado do grupo, agora com 11 membros, representando quase metade da população mundial e 40% do PIB global;
-
- Vieira ressaltou também um consenso no Brics pela paz em Gaza e pelo fim da guerra na Ucrânia segundo “princípios previstos na Carta da ONU”. Ele não fez referências à Rússia, responsável pela invasão do território ucraniano.
Ainda no primeiro dia, Wang Yi se encontrou separadamente com o colega russo, Sergey Lavrov. Saiu do encontro prometendo cooperar para um “um sistema de governança global mais justo e racional” com o chanceler da Rússia.
Fontes ouvidas pela Folha disseram que o comunicado conjunto ao final do evento iria criticar “medidas unilaterais” tarifárias adotadas pelos EUA, mas o tom final estaria calibrado para evitar confronto aberto com Washington.
Na tarde desta terça (29), porém, a reunião terminou sem uma declaração final. Depois de horas de negociação, o governo Lula (PT) não conseguiu angariar apoio de todas as 11 nações para um acordo.
-
- Brasil, Índia e África do Sul almejam uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, órgão decisório mais importante das Nações Unidas.
-
- Um documento que fizesse menção a essas ambições enfrentava forte oposição do Egito e da Etiópia. Os dois países resistiram a endossar uma declaração.
O encontro também expôs desafios internos: o chanceler indiano Subrahmanyam Jaishankar não viajou ao Rio, após um ataque mortal na Caxemira que matou 26 pessoas na região disputada com o Paquistão.
A Índia foi representada por um enviado de menor escalão. Nova Déli tem expressado crescente irritação com o apoio chinês a Islamabad, considerada culpada pelo ataque.
Por que importa: a retomada da coordenação entre os Brics em meio à nova rodada de tarifas dos EUA pode acelerar esforços para reduzir a dependência do dólar no comércio internacional e aprofundar a divisão entre economias emergentes e o Ocidente.
A ausência da Índia e suas rusgas com a China, porém, expõem fraturas internas que podem limitar a eficácia do bloco nas negociações multilaterais previstas para os próximos meses.
pare para ver
Obra do pintor chinês Zhang Jian-Jun, especialista em retratar a China contemporânea por meio de telas e esculturas abstratas. Zhang é professor da Universidade de Nova York (campus em Xangai) e bastante conhecido na cena artística de avant-garde. Veja mais trabalhos dele aqui.
o que também importa
A China lançou três astronautas rumo à estação espacial Tiangong para substituir a atual tripulação, em mais um passo para consolidar seu programa espacial. A missão Shenzhou 20 decolou do centro de Jiuquan e alcançou a estação após pouco mais de seis horas. A nova equipe, inteiramente masculina, é composta pelos taikonautas Chen Dong, Chen Zhongrui e Wang Jie e ficará cerca de seis meses no espaço, realizando experimentos científicos e manutenção. Controlada pelo Exército chinês, a Tiangong destaca a crescente presença da China no espaço após sua exclusão da Estação Espacial Internacional.
A Guarda Costeira chinesa tomou o controle do banco de areia Sandy Cay, no Mar do Sul da China, ampliando a disputa territorial com as Filipinas. Pequim afirmou ter “exercido jurisdição soberana” no local, enquanto Manila respondeu hasteando sua bandeira em três bancos de areia próximos. A Casa Branca classificou a ação como “profundamente preocupante”. O incidente ocorreu em meio a exercícios militares conjuntos entre EUA e Filipinas, criticados por Pequim. Washington ainda não reagiu ao avanço militar.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou na quarta (23) que há “um caminho” para um acordo tarifário com a China. Trump tem alegado sem apresentar provas que há negociações em andamento, mas autoridades chinesas negaram que estejam conversando. Bessent disse que as altas tarifas são “insustentáveis” para a China e previu uma eventual redução em breve. Empresas americanas têm alertado que a estratégia pode levar a aumentos generalizados de preços e escassez de produtos.
fique de olho
A gigante do varejo Walmart voltou a encomendar produtos de alguns fornecedores da China e pediu que retomassem os embarques para os Estados Unidos, segundo fontes ouvidas pelo South China Morning Post.
-
- Fabricantes das províncias de Jiangsu e Zhejiang, dois polos de exportação afetados pela guerra comercial, receberam nos últimos dias instruções para retomar os envios. O Walmart também teria comunicado que arcaria com os custos adicionais das novas tarifas impostas por Donald Trump;
-
- Empresas como a Mainetti, fornecedora de cabides e embalagens para grandes redes dos EUA e Europa, confirmaram a retomada de pedidos, após uma queda superior a 40% nas encomendas em abril em comparação ao ano anterior. Desde o anúncio das tarifas em 2 de abril, muitos importadores haviam suspendido ou cancelado compras.
Em meio às tarifas impostas pela Casa Branca —que chegaram a 245% para alguns produtos chineses—, fornecedores passaram a optar por contratos FOB (livre a bordo), permitindo que os importadores lidem diretamente com a burocracia alfandegária americana. A China também aplicou tarifas de até 125% sobre produtos dos EUA.
Por que importa: a despeito das pressões crescentes do setor privado americano para que Trump encerre a guerra comercial e de um acordo ainda depender de negociações complexas, a decisão do Walmart de retomar embarques sem repassar tarifas a fornecedores sugere otimismo nos bastidores.
para ir a fundo
O Observatório do Clima divulgou um longo relatório em que sumariza as avenidas de cooperação entre Brasil e China durante a COP deste ano. O texto destacou áreas que podem ser acordadas por Lula na visita em Pequim para o Fórum China-Celac em maio. Disponível aqui. (gratuito, em inglês e chinês)
A Funcex lançou o curso “China: influência dos aspectos culturais nas negociações”, que acontece em 4 de junho, das 8h às 17h, de forma online e ao vivo. O treinamento aborda desde etiqueta em banquetes até estratégias para superar barreiras culturais nas relações comerciais com chineses. Inscrições e detalhes neste link. (pago, em português)